Monday, May 19, 2008

SOBRE 'O TRATADO DOS ANJOS AFOGADOS' POR PAULO DE TOLEDO :



NO DESERTO COM MARCELO ARIEL


Quantos poetas brasileiros contemporâneos conseguem fazer uns versos como estes?

A noite
caindo como um suicida,
refaz o movimento
de uma pérola descolando

Meu camarada Marcelo Ariel lançou, há coisa de um mês, seu livro Tratado dos Anjos Afogados, no qual podemos ler os versos acima, que estão no poema “No deserto com Paul Bowles”.
Como eu disse, o Ariel é meu camarada, portanto, isso que você está lendo não é uma crítica distanciada, fria, de um livro de poemas. Não, este texto é uma forma de abraço.
Mas, para ser inteiramente sincero comigo mesmo e, principalmente, com o Ariel, devo dizer o que eu “senti” lendo esse livro que, certamente, é melhor do que 90% dos livros de poemas lançados nos últimos tempos por estas plagas.
Primeiramente, o poema “No deserto com Paul Bowles”, na minha opinião, i.e., pro meu gosto, poderia ter a metade do tamanho. Não acho que o resto do poema faça jus à genialidade dos versos citados.
Me parece que algo parecido acontece com o livro. O Tratado dos Anjos Afogados tem em torno de 80 a 90 poemas. Se tivesse 50, o livro conteria realmente o “mel do melhor” do Ariel. Não que haja poemas ruins, pelo contrário. Não há um poema “amador”, daqueles que lemos em muitas revistas literárias (em papel ou em pixel) e blogs.
Vou tentar me explicar.
Imagine se você pegasse um livro de coletânea de contos do Machado e essa coletânea misturasse contos geniais como “Missa do Galo”, “A Cartomante” e a “A Causa Secreta” (da segunda fase machadiana) com contos otimamente escritos, mas sem aquela mesma genialidade, como “Miss Dollar” e “Frei Simão” (da sua primeira fase). Obviamente, você leria todo o livro, inclusive esses últimos — que são deliciosos —, mas quais contos você faria novas e novas e novas releituras? Creio que você já entendeu meu ponto de vista.
Então, se o Tratado dos Anjos Afogados contivesse mais ou menos 50 poemas, ele seria como uma luta de boxe (vou no embalo do Cortázar) que durasse apenas um round e os contendores tivessem que partir pra cima sem nem tempo de “estudar o adversário”.

Mas, voltemos aos versos que iniciam esta peroração (puxa, nunca usei essa palavra na minha vida!).

A noite
caindo como um suicida,
refaz o movimento
de uma pérola descolando

Logicamente, cada um pode “ver” o que quiser nesses versos.
Eu vejo o seguinte: a manhã chegando com sua luz (a pérola/sol) e o som do suicida caindo no solo como o som quase inaudível da pérola que se descola.
Delicadeza. Ternura. Beleza.
A luz e a treva num espetáculo de cores e sons, de vida e morte, de poesia e silêncio.
Ouçamos o gerúndio (des-co-LAN-do) tornando looonnngooo e leeennntooo o movimento das coisas, e, portanto, tornando perceptível o que quase sempre oculta-se em ostras inacessíveis. (Não é essa a tarefa do poeta?)
O som da pérola descolando: jóia talhada em versos.


Paulo de Toledo

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